quarta-feira, 30 de abril de 2008

Reflexos


Olho-te pelo reflexo
Do vidro
E o coração da noite

E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:

o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,

invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti.

Poema: Ana Luísa Amaral
Foto: António Louro


terça-feira, 29 de abril de 2008

Flores brancas


Flores brancas...
Sonhos em veredas, em caminhos esquecidos,
Túmulos ignorados
Sol nos olhos, sol nas mãos
Sol em roseiras em flor

Queria levar-te para a estação do gigante...
Queria levar-te para o tempo infinito
Mas morro em cada gesto
Morro em cada olhar estagnado
Morro na vontade ausente de partir.


Poema: Luís Cardoso
Foto: Nina Larsen



segunda-feira, 28 de abril de 2008

Coisas que passam



Não olhes agora...
Tenho uma coisa para te dizer, antes de ir embora...
Mas não olhes para mim, senão falta-me a coragem...
Ouve: não importa quando... amanhã ou no fim do mundo é igual. Quero que saibas que para ti os meus braços estão sempre abertos.
Eu sei que estás bem. Eu sei que não sou mulher para ti. Mas tenho a força daqueles que lutam por causas perdidas e a segurança de um sentimento que não morre.
Se algum dia quiseres aquilo que tenho... vem ter comigo.
Quando quiseres. Sempre que quiseres.
...Porque eu espero!


Texto: Paula Joyce
Foto: Thomas Doering

domingo, 27 de abril de 2008

Noite



Noite!
Não me despertes
Do sono que me procura
Noite!
Eu quero dormir
A minha vida é dura
Noite!
Vem embalar
Um corpo de desejos
Noite!
Vem tu matar
Esta sede de beijos
Noite!
Eu sou a cinza
Do amor sem dó
Noite!
Ao menos tu
Não me deixes só!

Poema: Amparo Casanova
Foto: Liliana Sanches


sábado, 26 de abril de 2008

Confluência




Ter-te amado, a fantasia exacta se cumprindo
sem distância.
Ter-te amado convertendo em mel
o que era ânsia.
Ter-te amado a boca, o tacto, o cheiro:
intumescente encontro de reentrâncias.
Ter-te amado
fez-me sentir:

no corpo teu, o meu desejo
- é ancorada errância.

Poema: Affonso Romano de Sant'Anna
Foto: Paulo Almeida (Pasma)


sexta-feira, 25 de abril de 2008

Lua adversa


Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

Poema: Cecília Meireles
Foto: Linda Bergkvist

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Há palavras que nos beijam



Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado).

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Poesia: Alexandre O'Neill
Foto: Wojtek Aleksandrowicz


quarta-feira, 23 de abril de 2008

A dor da saudade


Os teus olhos doces
Cruzavam os meus
Num mar de promessas...

Sentia-te perto,
Ardendo por mim.
E agora?

Não sinto o teu calor,
Não sinto o teu olhar,
Não sinto o teu amor
Fazendo-me vibrar.

Os teus olhos doces
Cruzavam os meus
Num mar de loucura...

Sentia-te ardendo,
Tão perto de mim.
E agora?

Foto: Cristina Bento

terça-feira, 22 de abril de 2008

A dor a mais


Foi só muito amor
Muito amor demais
Foi tanta a paixão
Que o meu coração, amor
Nem soube mais
Inventei a dor
E como ela nos doeu

Ah, que solidão buscar perdão
No corpo teu
Tanto tempo faz
Tens um outro amor, eu sei
Mas nunca terás
A dor a mais
Como eu te dei
Porque a dor a mais
Só na paixão
Com que eu te amei

Poema:Vinicius de Moraes

Foto: helena margarida pires de sousa

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Entre os teus lábios


Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

Poema: Eugénio de Andrade
Foto: Alba Luna

domingo, 20 de abril de 2008

Catorze versos "CREIO"


Creio na tua voz, que me acalenta
Creio no teu olhar, que me quebranta
Ao teu querer, a sombra se levanta
E se transforma em vida, que me tenta

Creio na tua boca, doce e lenta
A estrangular-me os gritos na garganta
Creio nas tuas mãos tão fortes - quanta
Sede a tua carícia dessedenta!

Creio no teu poder, que me domina,
E traça, nesta vida, a minha sina
Na embriaguez, na dor de ser mulher.

E a vida é grande! A vida é boa e linda!
Mas se além dela, eu for contigo ainda...
Será tão bom, amor, tão bom morrer...

Poema: Albertina Saguer
Foto: Katarzyna Rzeszowska

sábado, 19 de abril de 2008

Soneto do amor total


Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade,
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade a cada instante

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

Poema: Vinicius de Morais
Foto: Miguel Pappan