sexta-feira, 30 de maio de 2008

Escrevo o que vejo


Escrevo o que vejo, mas também
vejo o que escrevo. E no teu rosto,
o que vejo são as palavras que
nascem dos teus olhos, quando
os abres, e toda a luz do mundo
desce pelo teu rosto, dizendo
que é manhã. Por isso as escrevo,
para que a manhã possa nascer
deste poema, através das palavras
que o teu rosto me ensina.


Poema: Nuno Júdice
Foto: Nuno Manuel Baptista

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Devaneios


Há olhares que dizem tanta coisa… há frases que só nós entendemos o seu verdadeiro significado…e há a ânsia de ficarmos sós. A vontade mal disfarçada de um toque, um gesto que quer ser mais do que o que foi, um sussurrar de pequenos nadas que são tudo…
O teu olhar perde-se no meu… O meu olhar perde-se no teu… Entre nós há uma ligação que não consigo explicar. Entendemo-nos sem trocar uma palavra, sem dizer nada, como se não houvesse mais nada que pudéssemos dizer um ao outro, e no entanto está tudo ainda por dizer… e há tanto que te quero contar, tanto que quero partilhar contigo…

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Sinto-te a falta...



Sinto-te a falta…
No calor dos meus braços
Na ternura dos meus abraços
Sinto-te a falta!

Sinto-te a falta…
No meu beijo perdido
No meu olhar esquecido
Sinto-te a falta!

Sinto-te a falta…
No meu corpo fremente
Nas minhas mãos carentes
Sinto-te a falta…


Foto: Kazuo Okubo


terça-feira, 27 de maio de 2008

O que desejei às vezes



O que desejei às vezes
Diante do teu olhar,
Diante da tua boca!

Quase que choro de pena
Medindo aquela ansiedade
Pela de hoje - que é tão pouca!

Tão pouca que nem existe!

De tudo quanto nós fomos,
Apenas sei que sou triste.



Poema: António Botto
Foto: Massimiliano Uccelletti

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Não é o coração



Não é o coração
mas esta carne
em seu rumor.

Não é o coração
mas teu silêncio
de intenso furor.

Não é o coração
mas as mãos
sem corpo, vazias.
Na grave melodia
de um instante
tu e eu
em desequilíbrio
na infame
consistência
de um absoluto
obstáculo.

Poema: Ana Marques Gastão
Foto: Tomas Rücker

domingo, 25 de maio de 2008

Aspiração



Quero viver...
Quero sonhar...
Quero querer...
Quero amar...

Quero sentir...
Quero esperar...
Quero partir...
Quero ficar...

Quero dançar na roda da vida...
Quero vogar ao sabor da ilusão...
Quero sentir-me vagamente perdida
E apoiar-me na tua mão.

Quero a beleza da lua
Numa noite de luar
Ser completamente tua
Sem receio de me dar...

Foto: Massimiliano Uccelletti


sábado, 24 de maio de 2008

Janela Indiscreta


Sinto em mim uma ternura insuspeitada... uma doçura feita de mel, dourada e transparente.
Estou feliz e sonhadora. Um calor suave invade-me o corpo e penetra-me na alma. Apetece-me sentar junto à vidraça olhando o céu cinzento que hoje, não me consegue entristecer.
Quase queria ir dançar à chuva... rodopiar uma e outra vez, num remoinho louco de vida, de alegria, de força de viver...


Foto: Jingna Zhang

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Distância



Entro no teu quarto, como se
entrasse no mar. Um temporal de perguntas
enrola os teus cabelos. Lanças-te
contra as ondas de um sonho antigo,
e abres a porta da varanda
para te sentares à cadeira
do oriente, apanhando o vento
da tarde. «Não te levantes, digo,
e deixa que os teus olhos se libertem
de sombra, depois de uma noite
de amor, para me abrigarem
da luz estéril da madrugada.» Mudas
de posição, como se me tivesses
ouvido; e o teu corpo enche-se
de palavras, como se fosses
a taça da estrofe.

Poema: Nuno Júdice
Foto: paulo cesar


quinta-feira, 22 de maio de 2008

O sol nas noites e o luar nos dias



De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.


Poema: Natália Correia
Foto: Marius Necula

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Poema



Como se o teu amor tivesse outro nome no teu nome,
chamo por ti; e o som do que digo é o amor
que ao teu corpo substitui a doçura de um pronome
- tu, a sílaba única de uma eclosão de flor.

Diz-me, então, por que vens ter comigo
no puro despertar da minha solidão?
E que mumúrio lento de uma cantiga de amigo
nos repete o amor numa insistência de refrão?

É como se nada tivesse para te dizer
quando tu és tudo o que me habita os lábios:
linguagem breve de gestos sábios
que os teus olhos me dão para beber

Poema: Nuno Júdice
Foto: AmandaCom


terça-feira, 20 de maio de 2008

O amor





O amor não tem princípio nem fim porque quem vive no seu presente vive na eternidade. O rosto do amor ao olhar-nos prende-nos a si para sempre. Nunca mais esquecemos o seu olhar infiltrante, feiticeiro, a insinuar-se e a impor a sua presença para todo o sempre. Nunca mais esquecemos as feições do amor, o corpo em que encarna, o toque mágico que primeiro dá à luz o nosso próprio corpo e depois o ressuscita vezes sem conta de cada vez que o acaricia na noite da vida.
O amor é um animal selvagem que chega ate nós e ocupa cada ponto do nosso corpo, mais, toda a nossa vida. O seu poder de contaminação é total. Basta um só olhar. O amor é esse conflito permanente e completo: liberta e agarra, é doçura e amargura, refaz e desfaz, ressuscita e adormece, faz-nos sonhar e confronta-nos com a realidade pura e dura, dá à luz. Mas também tem o poder de nos matar.
No amor oscilamos entre tudo poder ser e nada poder ser, a impossibilidade de tudo. É este o amor, é esta a nossa vida.Tu sabes, não sabes? Eu sei muito pouco, quase nada. De ti quero aprender tudo. O melhor e o pior. O resto é-me indiferente.


Texto: Pedro Paixão
Foto: Tomas Rücker


segunda-feira, 19 de maio de 2008

Perdição



O que é que tu tens para eu te querer tanto?
Que loucura é esta que me possui cada vez que te vejo, cada vez que te ouço, cada vez que leio as tuas mensagens?
Perco-me no teu olhar, no teu sorriso...
Perco-me de cada vez que te vejo...
Perco-me com a tua voz, com as tuas palavras...
Perco-me em ti...


Foto: Paulo Almeida (Pasma)



domingo, 18 de maio de 2008

Frémito do meu corpo...




Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...


Poema: Florbela Espanca
Foto: Ilya Rashap


sábado, 17 de maio de 2008

Quero...



Quero sentir-te junto a mim...
Quero sentir o teu corpo quente e enroscar-me em ti...
As tuas mãos percorrendo-me... lenta e suavemente...
A tua boca... ah, a tua boca! Que loucura imaginar as sensações que a tua boca me proporciona...
Quero...
Quero...



Foto: CarbonKid

sexta-feira, 16 de maio de 2008

A hora da partida


A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.

A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida


Poema: Sophia de Mello Breyner Andresen
Foto: José Luís Mendes (Ze Luis)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Quase de nada místico



Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E nem deve ter grande
significado este vapor dourado,

e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é com certeza
relevante este brilhante aqui:

poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.

Poema: Ana Luísa Amaral
Foto: antonio louro

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Ansiedade




O meu desejo por ti dói-me.
Crava-se no meu peito como uma garra, impedindo-me de respirar.
Quero-te e não te tenho.
Preciso de ti e não te encontro.
Procuro no interior de mim a lembrança do nosso tempo juntos… talvez assim consiga suportar melhor a dor da tua ausência.
Mas o efeito não é o pretendido. A memória não me conforta, antes agudiza mais a ansiedade sentida.
Tudo tem um tempo na vida. Será que o nosso já terminou?


Foto: Tuta

terça-feira, 13 de maio de 2008

E por vezes



E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos


Poema: David Mourão-Ferreira
Foto: Roberto Gallacci

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Para sempre guardado




Quero registar-te na palma da minha mão
Impressão digital de cada recanto do teu corpo
Quero que fiques gravado no meu coração
Na saudade de te ter e sentir-te de novo.

Quero que permaneças no meu olhar
Eternamente iluminando o meu caminho
Quero ouvir no teu ténue sussurrar
Palavras de amor, ternura e carinho.

Toma-me mais uma vez...
Deixa-me satisfazer esta doce loucura
De te reter para sempre, talvez...

Sem nunca deixar de acreditar
No que o teu olhar murmura...
E me fez apaixonar...


Foto: antoniolouro

domingo, 11 de maio de 2008

O teu nome




Flor de acaso ou ave deslumbrante,
Palavra tremendo nas redes da poesia,
O teu nome, como o destino, chega,
O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo
De todas as cores do dia!


Poema: Alexandre O'Neill
Foto: Paulo Madeira


sábado, 10 de maio de 2008

A boca



A boca,

onde o fogo
de um verão
muito antigo

cintila,

a boca espera

(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)

espera o ardor
do vento
para ser ave,

e cantar.

Poema: Eugénio de Andrade
Foto: Lady-Dementia


sexta-feira, 9 de maio de 2008

Dúvidas e inquietações



Aquela hora voou.
Ter-te ali na minha frente foi um desafio ao meu poder de concentração.
Sentia os teus olhos cravados em mim e, quando eu levantava os meus e o nosso olhar se cruzava, invadia-me uma sensação de torpor, de languidez, que não me permitia prestar atenção ao que se passava à minha volta.
Os teus olhos e o teu olhar quereriam dizer alguma coisa? Estaria a interpretar bem os sinais que me enviavas? Estarias realmente a dizer-me o que eu teimava em ver? Montes de dúvidas atravessaram-me o pensamento, juntamente com um desejo louco de te abraçar, de beijar essa boca que irresistivelmente prendia a minha atenção. Quando à despedida me falaste no “nosso sítio”, aí sim, tive a certeza de que o meu desejo era o teu, a minha vontade era a tua…


Foto: Ricardo Costa


quinta-feira, 8 de maio de 2008

Melancolia



Ver-te foi um raio de Sol na aridez do meu dia. Olhar-te e sentir no teu olhar que ainda não te sou indiferente deixou-me tão feliz... Foi tão bom...
Então porque estou tão triste? Porque não consigo reviver esse momento encantado e preencher com ele a minha alma?
Quero mais... Preciso de mais... Conheço muito mais e sinto saudade. Será que também sentes? Será que também queres? Será?


Foto: AmandaCom


quarta-feira, 7 de maio de 2008

Volta



Tenho fome do teu olhar
Que se demora no meu
Devassando-me até à alma.

Tenho sede dos teus lábios
Que beijam os meus com sofreguidão
Fazendo-me vibrar.

Tenho fome do teu calor
Que me envolve ternamente
Fazendo-me suspirar.

Tenho sede das tuas mãos
Que me acariciam docemente
Deixando-me em êxtase…

Tenho fome…
Tenho sede…
De ti.

Foto: antónio louro

terça-feira, 6 de maio de 2008

Gozo IV


Que tenhas de mim
o contorno incerto
acertado nas linhas do
teu corpo

os dentes nos lóbulos e no pescoço
os lábios
a língua a cobrirem os ombros


Poema: Maria Teresa Horta
Foto: Kazuo Okubo



segunda-feira, 5 de maio de 2008

A boca e as bocas





Apenas
uma boca. A tua Boca
Apenas outra, a outra tua boca
É Primavera e ri a tua boca
De ser Agosto já na outra boca

Entre uma e outra voga a minha boca
E pouco a pouco a polpa de uma boca
Inda há pouco na popa em minha boca
E já na proa a polpa de outra boca.

Sabe a laranja a casca de uma boca
Sabe a morango a noz da outra boca
Mas sabe entretanto a minha boca

Que apenas vai sentindo em sua boca
Mais rouca do que a boca a minha boca
Mais louca do que a boca a tua boca.


Poema: David Mourão-Ferreira
Foto: Susib


domingo, 4 de maio de 2008

Crepúsculo



Horas crepusculares tão magoadas,
Correm de leve, preguiçosamente...
Cai a tardinha sonhadoramente...
Vamos os dois sozinhos, de mãos dadas!...

Sonham as flores das hastes debruçadas...
Fecho os olhos, cansada, languescente...
É todo oiro e púrpura o poente!
Que lindas são as sombras das estradas!...

São sorrisos teus olhos... Teu olhar
Anda abraçado ao meu, sem o beijar
Numa carícia imensa, ardente, louca!

Anda já o luar pelos caminhos...
Há brandas serenatas pelos ninhos...
- Tu fitas num anseio a minha boca!...


Poema: Florbela Espanca
Foto: Sissi

sábado, 3 de maio de 2008

Onde vou?


Onde vou eu, onde vou?
Já nem sei donde parti…
Se eu mesma não sei quem sou!
Achei-me dentro de ti.

Eu fui ninguém que passou,
eu não fui, nunca me vi…
Fui asa que palpitou –
Eu só agora existi.

Negra dor espavorida
ou saudade dolorida
eu fui talvez no passado…

Sou triste por atavismo…
Não há ontem no cuidado
em que em cuidados me abismo.


Poema: Judith Teixeira
Foto: AmandaCom


sexta-feira, 2 de maio de 2008

Dói viver



Dói viver, nada sou que valha ser.
Tardo-me porque penso e tudo rui.
Tento saber, porque tentar é ser.
Longe de isto ser tudo, tudo flui.

Mágoa que, indiferente, faz viver.
Névoa que, diferente, em tudo influi.
O exílio nado do que fui sequer
Ilude, fixa, dá, faz ou possui.

Assim, noturno, a árias indecisas,
O prelúdio perdido traz à mente
O que das ilhas mortas foi só brisas,

E o que a memória análoga dedica
Ao sonho, e onde, lua na corrente,
Não passa o sonho e a água inútil fica.


Poema: Fernando Pessoa
Foto: Alba Luna



quinta-feira, 1 de maio de 2008

Memória




Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.


Poema: Carlos Drummond de Andrade
Foto: Alba Luna